Ballinha
domingo, 28 de agosto de 2011
Borboletas no ventre
Chandon, açúcar e pimenta
Noite de Falsas Estrelas
Olhei a noite sem estrelas. Todas as luzes da cidade me davam a falsa sensação de noite estrelada. Assim como teus afagos e tuas palavras me davam a falsa sensação de posteridade.
Senti o perfume do teu sussurro, vizinho aos meus cabelos, e, tua mão a deslizar suave pela minha cintura.
- Quais são teus planos?
“Ah, Deus! Eu não faço planos com você” – pensei. Mas respondi, um pouco esquiva, um pouco tua. Como sempre.
- Meus planos eram você, aqui, comigo, estreando o apartamento.
Não via teu rosto. Você me enlaçava por trás, mas senti teu sorriso. Você ia buscar a resposta desejada. Você ia me levar ao abismo para que eu pedisse socorro. Você ia brincar com cada centímetro de pele minha. Com cada fio de cabelo. Com cada esperança adormecida por minha força férrea.
- Quero saber mais. Você sabe que eu tenho milhares de planos. Você está neles. Eu já te contei todos eles.
Não bastava a você que eu fosse cúmplice dos teus erros, dos teus sonhos ou da tua vida encaracolada de meias-verdades. Era preciso que eu verbalizasse meu crime de te apoiar, de te acobertar, de te reger sem ser obedecida, de tocar um sustenido deslocado na tua orquestra, de ser tua.
Apoiei a cabeça no desvão do ombro. Meu pescoço estava pronto para ser submetido a um abate. Meu abate. Cedi todas as defesas e permiti que você tivesse a confissão de meu crime, como você o bem entendia. Comprei teu sonho e quase gritei à noite.
- Vou nos esconder nas araucárias. Vou levar o bebê, que nem fizemos, pra passear de pedalinho, no meio dos patinhos. Vou tatuar teu número na minha pele, não obstante você odeie tatuagem. Vou cozinhar todos os quitutes que você tanto gosta. Vou largar o cigarro. Não vou te abandonar ainda que nos separemos. Tudo será como já prometi.
Você me virou suave, olhou nos meus olhos, sorrindo. Beijou meus lábios, tão levemente, que podia se acreditar que era o farfalhar de uma borboleta. Depois me beijou a testa. Puxou-me pro teu peito e me abraçou. E eu pensei com meus botões, que já iam se abrindo, que meus planos eram só perpetuar este momento e estava tudo bem.
- Te adoro. Me conta agora os teus planos práticos.
Eu sorri, olhando pra cima. Você sabia que eu só tinha entrado no jogo. Também sabia que eu lutava ensandecidamente para não acreditar
- Eu quero tirar a cicatriz da perna, que aquele energúmeno me deixou no acidente.
- A cicatriz é uma besteira. Se bem que...
- O quê, baby?
- Eu vou te tirar a cicatriz. Vou tirar a cicatriz da tatuagem.
- Eu não tenho tatuagem.
- A tatuagem que o mal te fez na alma, amor.
Senti o nó apertar na minha garganta. Senti os olhos arderem. Senti um rio caudaloso pronto a correr. Então te beijei. Beijei longa e sofregamente. Sussurrei ao meu coração para esquecer dos planos, porque o melhor ainda estava por vir. Coração de moça com lua em câncer não se contém. Mal educado que só ele, me respondeu que não sabia aonde ia, mas que ia continuar a correr. Eu deixei.
Sonhos de amor numa noite de primavera
Publicado originalmente em 5 de novembro de 2010. Escrito em uma noite de insônias e despedidas internas.
Minha última noite, aqui. A brisa da primavera roça as flores, apenas chegadas na varanda. Meus olhos marejam, mas é preciso seguir
Deito. O cansaço me embala rapidamente em sono profundo. É então que te vejo.
Eu, deitada, na cama em desordem, semi-nua, atordoada de sono, de olhos entreabertos. Tu, com a samba-canção a te ritmar, olhar compenetrado, sentado a minha frente, na poltrona, a buscar o soneto certo, indubitavelmente.
- Perdeste o sono?
- Achei os versos. É diferente.
Ergueste os olhos claros e profundos. Buscaste fazer teu sorriso mais bonito, numa fração de segundo que durou toda nossa vida. Olhaste-me com a mais profunda ternura e cheio de embevecimento.
- Encontras inspiração, nas horas menos possíveis, amado.
- Acordas, quando te prefiro dormindo, vida: teu sono repara o que te causei e eu resto vaidoso.
Ri. Poderia permanecer a te olhar por toda uma vida.
- Preciso deitar em teus braços para me reencontrar com Morfeu.
- Se te dou meu corpo, dormes outra vez?
Assenti, sorrindo.
Sentaste desajeitadamente, mas parecias cômodo. Enlaçaste-me com um braço e uma perna, deixando livre metade de ti para escrever. Cantarolaste baixinho, com tua timidez costumeira, mas deslocada em teu amor maroto.
- Vais dormir, agora, vida.
Te obedeci, como teu tom demandava. Abro os olhos, envolta
Levanto-me. É a despedida perfeita da vida que não é mais a minha. Acendo o cigarro e me dou conta que nos nossos encontros, eternamente oníricos, sempre falamos em segunda pessoa. Seria assim se houvesse, algum dia, olhos nos olhos? Penso se teu sonho quase sempre tão real vai comigo na nova jornada, então sinto uma carícia leve na pele. Alguém desavisado diria que é o frio da madrugada. Mas eu, eu sei que é teu paletó buscando enlaçar meu vestido, respondendo-me que vais comigo.
Saudade tua, Chico. Sorrio.