domingo, 28 de agosto de 2011

Sonhos de amor numa noite de primavera

Publicado originalmente em 5 de novembro de 2010. Escrito em uma noite de insônias e despedidas internas.


Minha última noite, aqui. A brisa da primavera roça as flores, apenas chegadas na varanda. Meus olhos marejam, mas é preciso seguir em frente. De pé olhando a cidade adormecida, revejo meus passos. Choro.

Deito. O cansaço me embala rapidamente em sono profundo. É então que te vejo.

Eu, deitada, na cama em desordem, semi-nua, atordoada de sono, de olhos entreabertos. Tu, com a samba-canção a te ritmar, olhar compenetrado, sentado a minha frente, na poltrona, a buscar o soneto certo, indubitavelmente.

- Perdeste o sono?

- Achei os versos. É diferente.

Ergueste os olhos claros e profundos. Buscaste fazer teu sorriso mais bonito, numa fração de segundo que durou toda nossa vida. Olhaste-me com a mais profunda ternura e cheio de embevecimento.

- Encontras inspiração, nas horas menos possíveis, amado.

- Acordas, quando te prefiro dormindo, vida: teu sono repara o que te causei e eu resto vaidoso.

Ri. Poderia permanecer a te olhar por toda uma vida.

- Preciso deitar em teus braços para me reencontrar com Morfeu.

- Se te dou meu corpo, dormes outra vez?

Assenti, sorrindo.

Sentaste desajeitadamente, mas parecias cômodo. Enlaçaste-me com um braço e uma perna, deixando livre metade de ti para escrever. Cantarolaste baixinho, com tua timidez costumeira, mas deslocada em teu amor maroto.

- Vais dormir, agora, vida.

Te obedeci, como teu tom demandava. Abro os olhos, envolta em breu. Nãotivesse te obedecido, não fechava os olhos para os abrir aqui no vazio deste lugar.

Levanto-me. É a despedida perfeita da vida que não é mais a minha. Acendo o cigarro e me dou conta que nos nossos encontros, eternamente oníricos, sempre falamos em segunda pessoa. Seria assim se houvesse, algum dia, olhos nos olhos? Penso se teu sonho quase sempre tão real vai comigo na nova jornada, então sinto uma carícia leve na pele. Alguém desavisado diria que é o frio da madrugada. Mas eu, eu sei que é teu paletó buscando enlaçar meu vestido, respondendo-me que vais comigo.

Saudade tua, Chico. Sorrio.

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